7a – Orfeu rebelde
Orfeu rebelde, 
canto como sou: 
Canto como um possesso 
Que na casca do tempo, a canivete, 
Gravasse a fúria de cada momento; 
Canto, a ver se o meu canto compromete 
A eternidade do meu sofrimento. 
Outros, felizes, sejam os rouxinóis...
Eu ergo a voz assim, num desafio: 
Que o céu e a terra, pedras conjugadas 
Do moinho cruel que me tritura, 
Saibam que há gritos como há nortadas,
Violências famintas de ternura. 
 
Bicho instintivo 
que adivinha a morte 
No corpo dum poeta que a recusa, 
Canto como quem usa
Os versos em legítima defesa. 
Canto, sem perguntar à Musa 
Se o canto é de terror ou de beleza.
 
Poesia de
Miguel Torga




