5a O cavador

 

 

 

 

 

Dezembro, noite, canta o galo...
Rouco na treva canta o galo...
Aldeão não durmas!... Vai chamá-lo,
Miséria negra, vai chamá-lo!...
– Oh, dor! oh, dor! –
Bate-lhe à porta, é teu vassalo,
Que traga a enxada, é teu vassalo,
Fantasma negro, o cavador!

Vem roxa a estrela d'alvorada...
Vem morta a estrela d'alvorada –
Montanhas nuas sob a geada!...
Hirtas, de bronze, sob a geada!...
– Oh, dor! oh, dor! –
Torvo, inclinado sobre a enxada,
Rasga as montanhas com a enxada,
Fantasma negro, o cavador!

Cavou, cavou desde que é dia...
Cavou, cavou... Bateu meio-dia...
De pé na encosta erma e bravia,
Triste na encosta erma e bravia,
– Oh, dor! oh, dor! –
Largando a enxada, «Ave-Maria!...»
Reza em silêncio... «Ave-Maria!...»
Fantasma negro, o cavador!

Cavou cem montes... que é do trigo?
Gerou seis bocas... que é do trigo?
Bateu a Fome ao seu postigo...
Bateu a Morte ao seu postigo...
– Oh, dor! oh, dor! –
«Que a paz de Deus seja comigo!...
Que a paz de Deus seja comigo!...»
Disse, expirando, o cavador!
 

luis cilia

Poesia de

Guerra Junqueiro

 

Caixa de texto: "La poésie portugaise de nos jours et de toujours – 2"

 

 

 

 

 
 

Canções neste disco:

 <Anterior Seguinte>

 

página inicial

esta faixa foi reeditada no cd colectânea

 

 

 

Esta faixa foi também reeditada no segundo cd inserto no livro "A Música de Junqueiro". Novembro 2009

 

 

 

 

 

Aqui (clique na imagem) poderá ver no youtube um excerto do documentário de Leonel Brito  "Guerra Junqueiro", 1980, o qual utiliza a canção de Luís Cilia